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quinta-feira, 29 de março de 2012

Contribuições dos usuários, ou, A utopia da interatividade

Há alguns dias, em uma palestra da professora da ECI/UFMG Dra Cristina Ortega sobre bases de dados, uma expectadora comentou sobre a atuação dos usuários na descrição dos documentos. Não lembro do comentário na íntegra. Ela tocou em pontos como o compartilhamento desses recursos através de redes sociais, os comentários que os usuários fazem aos objetos e a possibilidade de incorporar isso à base de dados.

As bases de dados eletrônicas, que antigamente eram essencialmente referênciais e unilaterais,  passaram a se comunicar de forma mais completa com os usuários, depois da popularização e evolução das TICs.  Os antigos catálogos, bases e serviços de informação eram unidirecionais e assíncronos. Hoje, especialmente com o uso das CMS (Content Management Systems), as bases se tornaram interativas, síncronas, multidirecionais.

Voltando ao comentário da expectadora da palestra, fiquei imaginando como um recurso descrito, arquivado e disponível em uma base de dados pode ter essa descrição enriquecida pela contribuição dos usuários. Podemos pensar em um blog: ele pode ser de autoria de uma só pessoa, ou ser fruto de uma experiência coletiva. Mas ainda que seja escrito por um autor individual, o blog pode ser multiautoral porque os leitores podem comentar os “posts”, agregando informações importantes ao texto inicial: seja na forma de correção de dados, seja na forma de crítica ao conteúdo. Imagino a mesma coisa em um sistema de informação que tem essa característica interativa: o leitor agregando valor à descrição do bibliotecário.

Isso me remeteu à “indexação social”, que Guedes e Dias (2010) definem como “a ação de etiquetagem desempenhada por usuários de ferramentas sociais em ambientes Web”. Esse processo também recebe o nome de indexação colaborativa. Mas a possibilidade de agregar comentários de usuários à descrição de documentos em bases de dados vai além da indexação social, que refere-se, me parece, a termos que representam o conteúdo de um documento.

Certamente existem pontos a se pensar quando consideramos a possibilidade de agregar os comentários de usuários à descrição de documentos. O principal é o valor, a qualidade desse comentário. Seria necessário pensar em uma moderação, diferente dos blogs que podem funcionar sem ela. Seria interessante estabelecer critérios para avaliação dessa colaboração do usuário. Porque os comentários podem tanto ter valor crítico em relação ao conteúdo, quanto corrigir informações sobre o suporte, procedência, história dos documentos. Ou podem ser apenas pontuais sem modificar o que já está descrito.

Enfim essas são apenas idéias tolas de um útopico!

GUEDES, Roger de Miranda; DIAS, Eduardo Wense. Indexação social: abordagem conceitual. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v.15, n.1, p. 39-53 jan./jun., 2010. Disponível em: <http://revista.acbsc.org.br/index.php/racb/article/view/686>. Acesso em: 29 Mar. 2012.

domingo, 18 de março de 2012

A utopia da simplicidade: o bibliotecário e a biblioteca escolar

Um dos desejos, uma das metas dos utópicos é a erradicação do analfabetismo do nosso meio social. Um dos sonhos dos bibliotecários utópicos é que a biblioteca tenha papel ativo na condução desta tarefa. Ou como está lá numa citação em um livro do grande Bibliotecário Edson Nery: “as bibliotecas não assumiram um visão abrangente de sua tarefa, a qual deveria incluir um papel de destaque na erradicação do analfabetismo e no estímulo à leitura”¹. Nada mais claro então que esse papel deve ser assumido pela biblioteca escolar.

É lugar comum dizer da importância da educação, no sentido de instrução formal, para o processo de desenvolvimento e inclusão social. E é evidente o papel da leitura no processo educativo. É a ferramenta de apreensão dos conhecimentos sobre o mundo. A leitura é o meio pelo qual aprendemos. Paulo Freire fala da leitura do mundo precedendo a leitura da palavra escrita. Vemos em Paulo Freire e outros autores que refletem sobre o ato de ler que não existe apenas uma forma de leitura, e sim múltiplas leituras. A leitura dos textos escritos, ou gravados, em suportes é só uma delas. A escrita é uma forma de preservar e transmitir conhecimentos garantindo sua permanência no tempo. A escola é o espaço onde a competência de leitura é desenvolvida e a biblioteca escolar é o lugar onde o aprendiz vai entrar em contado com a pluralidade de vozes das narrativas humanas.

Então o trabalho do bibliotecário na escola é subsidiar as necessidades literárias dos alunos. Mais que isso, é instigar-lhes o desejo de ler. A biblioteca escolar é, ou deveria ser, um lugar atrativo capaz de oferecer aos leitores conforto, diversidade, inovação. Além de ter um acervo rico, a biblioteca escolar precisa ter mecanismos, atividades que atraiam os leitores para esse acervo.  A cada leitor seu livro, a cada livro seu leitor.

É aqui que entra o que chamo de utopia da simplicidade. Porque não é necessário ao bibliotecário escolar o domínio das “complexas técnicas de gestão”, das ferramentas de organização da informação, das últimas novidades tecnológicas. Quer dizer, ele até precisa disso, mas o mais importante é a capacidade de se comunicar com um público diferenciado. Que de certa forma está ávido por novidades. Mas que é volátil e se cansa facilmente de coisas desinteressantes.

Convivo com uma “bibliotecária escolar”, somos casados, e o que ela me relata é como as atividades mais simples são as que têm mais efeitos. Sempre a vejo lendo literatura infantil, indo a livrarias, procurando conhecer o produto que vai oferecer aos seus leitores. Ela me fala que a biblioteca precisa se comunicar com os alunos. Às vezes uma mudança na decoração, uma ação para chamar a atenção sobre determinado produto atiçam a curiosidade dos leitores. Então ela lança de mão de pequenos artifícios como redecorar o globo que ia ser descartado com figuras e letras; utilizar uma sacola enfeitada, que veio com livros, para criar uma curiosa brincadeira em que papéis com trechos de livros são depositados ali; e o aluno retira o papel e sai em busca do livro citado. São pequenas coisas que dialogam com o leitor, que tornam a biblioteca um lugar mais agradável.

Chamo de utopia da simplicidade, mas reconheço que não é fácil fazer esse trabalho. É simples, porque não é necessário reinventar a roda. Basta aproveitar a curiosidade inerente aos leitores iniciantes, ávidos para mostrar sua capacidade de leitura.

¹ O livro de Edson Nery está referenciado adiante:

FONSECA, Edson Nery. Introdução à Biblioteconomia. 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2007. 152 p.

O trecho citado está na página 95, e é a fala de um bibliotecário britânico.



quinta-feira, 8 de março de 2012

Leitura aleatória

O acesso livre à informação, a princípio, deveria ser uma grande "bandeira" dos bibliotecários. Por outro lado, constatamos muitas vezes, posicionamentos contrários (conscientes ou não) a este movimento na nossa classe. O fascinante mundo das editoras internacionais nos convida a entrar num mundo de brindes, jantares e reuniões importantes de toda a ordem. Precisamos prover informação, não há dúvida, mas para quem e qual alcance? Evidentemente, o serviço especializado por vezes engessa a nossa consciência e crítica dando a ilusão de que não somos agentes sociais. Mais grave ainda é, como servidores públicos, não dimensionarmos a  nossa responsabilidade como formadores (ou executores) de políticas públicas. Sendo extremamente redundante, é claro que este tema é utópico. A reversão do jogo de interesses das grandes editoras em escala mundial chega a soar como uma luta contra os "moinhos de vento". Kuramato, um "cavaleiro da triste figura", vem liderando este movimento no Brasil. Um dos últimos posts do seu blog inclusive, aponta o caminho dos repositórios institucionais das universidades como uma das alternativas para fortalecer o acesso livre à informação: http://kuramoto.blog.br/2012/03/08/acesso-livre-como-alcancar-o-acesso-livre-universal/
Talvez, estejamos diante de uma utopia da grandeza dos sonhos de Paul Otlet, contudo, a questão não é mais repertoriar todo o conhecimento e sim prover acesso igualitário ao mesmo. Por fim, é bom deixar claro que não se trata da supressão do direito autoral, pois o acesso ao conhecimento especializado publicado em revistas científicas provém da comunidade acadêmica, que em sua maioria, quer ver o seu trabalho legitimado e reconhecido o mais longe onde for possível alcançar.